Não era amor, era cilada

Bolsonaro x Doria no Facebook e no Twitter durante as 48 horas após o anúncio da ButanVac e da Versamune

Giovanna Mont'Mor
7 min readJun 3, 2021

Bolsodoria?

O cenário político brasileiro está marcado por diversos conflitos, incluindo os do atual presidente Jair Bolsonaro com antigos aliados políticos, como João Doria. Afinal, quem não se lembra da união #bolsodoria?

Após poucos anos que esta foto foi retratada, o que demonstrava ser um panorama amigável entre os políticos, passou a ser uma rivalidade quando Doria (PSDB) ao contrariar o posicionamento de Bolsonaro em relação à pandemia do Covid-19, também anunciou o início da vacinação em território brasileiro com a ButanVac, vacina, como reforçada por ele, “100% brasileira”.

Já contestada a eficácia da vacina diversas vezes pelo presidente, o anúncio de Doria sobre o início da imunização abalou Bolsonaro, que optou pelo silêncio em suas redes sociais. Após o episódio, o discurso de Bolsonaro mudou, e situações em que ele difamava a eficácia da vacina pareceram ficar num passado recente.

Houve uma falha do Governo Nacional ao presumir que grande parte da população iria contra a vacina brasileira, rejeitando a imunização, o que temos visto ocorrer com apenas uma pequena parte dos apoiadores do presidente. Devido à pressão da população para o início da imunização, apesar de não ter expressiva popularidade nas intenções de voto, Doria aparece como uma figura relevante para competir nas eleições em 2022 — um endosso à rivalidade entre ele e o atual presidente.

Rede semântica — Twitter

Grafo da rede semântica de tweets de 26 a 28 de março de 2021

Na figura ao lado há o mapeamento dos agrupamentos (cores) que formam a rede semântica com os termos mais utilizados no Twitter relacionados à ButanVac no período de 48 horas após o seu anúncio pelo Governo de São Paulo. Os dados foram coletados do dia 26 a 28 de março.

O cluster em roxo encontra-se em primeiro lugar de palavras com mais interações, somando 27,93%. Pode-se identificar neste agrupamento, a partir do termo “calça apertada”, que o assunto rankeado trata-se dos ataques por parte dos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro contra as medidas do governador paulista. Essas medidas incluíram a suspensão da liberação para realização de cultos, missas e outras atividades religiosas coletivas, além de todos os eventos esportivos, como jogos de futebol, comércios não essenciais, como lojas de roupas e restaurantes não poderiam funcionar de forma presencial e instituiu-se o toque de recolher das 20h às 5h. Tudo isto, válido até o dia 30 de março.

Seguindo os componentes, o segundo agrupamento com mais ligações ao termo que assume a centralidade no mapeamento é o cluster em verde claro com 27,53%. Formado pela questão da produção e anúncio da ButanVac, esta teve papel fundamental na confirmação da polarização e debate a partir da corrida entre Doria e Bolsonaro pela busca da criação da vacina própria contra a Covid-19. Tal agrupamento interage com o cluster azul com 22,13%, marcado pela presença de assuntos com relação à autorização da Anvisa sobre as vacinas, vacinação mundial e a hashtag Vachina, concebida por apoiadores de Jair Bolsonaro, contra o imunizante chinês CoronaVac.

Apesar do termo “vacina” estar localizado no centro do grafo em cor laranja, ele não está em primeiro lugar nos assuntos com mais interação. Com 13,44%, o cluster laranja compõe-se com notícias em relação a pesquisas recentes sobre o novo imunizante, o Versamune, além de questões políticas referentes a emendas e recursos para a aprovação da ButanVac e da Versamune.

Situado em verde escuro, o cluster com 4,61%, tem destaque para a palavra ditadoria, um termo utilizado pela rede bolsonarista para ataques a João Doria. Tal ataque iniciou-se no Twitter de Eduardo Bolsonaro e teve grande crescimento. “Mais um passo do ‘Governador Ditadoria’ para destruir São Paulo: ampliação do toque de recolher, fechamento das igrejas e suspensão das aulas das escolas públicas estaduais”, escreveu Eduardo.

Por fim, o cluster rosa com 4,35% tem como predomínio a questão das milhões de doses da CoronaVac chegadas ao Brasil e as fake news espalhadas sobre o imunizante chinês. Inserido no grupo, pode-se notar a presença do termo jacaré, utilizado pelo presidente Jair Bolsonaro, ao se referir à vacina importada.

Repercussão no Facebook

Baseado nos termos ButanVac e Versamune, relacionados à polarização entre Bolsonaro e João Doria a partir do plano de imunização, coletamos dados através do CrowdTangle, ferramenta do Facebook, disponibilizado pelo Labic (Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura) da Universidade Federal do Espírito Santo. Foi observado que o termo ButanVac gerou nos dias 26 a 28 de março no Facebook, 1.098 posts e 477.023 interações, enquanto Versamune teve 153 posts e 31.579 interações.

O post sobre a ButanVac com maior número de interações (93.000) é do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL), que ao se valer do termo “ditadoria” para se referir a Doria, estampa um tweet do governador paulista anunciando a vacina brasileira com letras garrafais dizendo “Farsa revelada”. Em seguida, diz que a vacina anunciada como “100% brasileira”, é, na verdade, “feita pelo hospital Mount Sinai, dos Estados Unidos”.

As postagens seguintes apresentam o mesmo teor de questionamento, por veículos como o Jornal da Cidade Online, aparecendo no segundo lugar da lista com quase metade das interações do post de Eduardo Bolsonaro. Logo depois, aparecem Jovem Pan News, UOL Notícias, Portal R7, O Antagonista, além da página de Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo e do Instituto Butantan. Há também outras duas personagens bolsonaristas com posts em destaque, como a deputada estadual Leticia Aguiar (PSL) e Valéria Bolsonaro (sem partido), ex-esposa do presidente.

Foi observado também a movimentação posterior ao anúncio da ButanVac na página do presidente no Facebook, que conta com mais de dez milhões de curtidas. Bolsonaro não se pronunciou a respeito na data do anúncio, postando somente no dia seguinte informações relativas à distribuição de doses de outras vacinas nos estados e municípios do país. Já em 28 de março, dois dias posteriores ao anúncio, ele convocou seus seguidores a um dia de orações e jejum pelo Brasil, como havia feito em abril de 2020.

Em relação ao termo Versamune, a partir dos dias de coleta, o post com maior número de interações foi o da CNN Brasil, com o título “É importante que sociedade entenda que o lockdown dá certo”, diz Rafael Greca”, trazendo a imagem do prefeito curitibano. Na descrição do post, há a informação que Rafael (DEM) demonstrou apoio à ButanVac e à Versamune. Sendo assim, o mesmo post divide o número de interações com a ButanVac, ainda que não mencionado anteriormente, pois não aparece no topo das interações da Butanvac.

Em seguida, há o post do deputado estadual Gil Diniz (sem partido), anunciando a vacina e reforçando no texto que a mesma foi financiada pelo governo Bolsonaro. Outro político bolsonarista aparece, dessa vez, o deputado federal Leo Motta (PSL), trazendo um post com intuito de invalidar os fatos pelos quais Bolsonaro é chamado de “negacionista”. Em outro post ele destaca “Versamune — essa é do Brasil”, dizendo que o pedido de testes para o imunizante foi protocolado antes do anúncio de Doria.

Os outros destaques são de veículos jornalísticos, dentre principais, o SBT Brasil com o seguinte título “Governo diz que protocolou vacina 100% brasileira antes do Butantan”. Além do Jornal da Record também noticiando o anúncio e o Jornal Nacional, com uma matéria para entender as tecnologias que as vacinas Versamune e ButanVac usam no combate ao coronavírus.

“Não tem nada a ver um fato com o outro”, disse o ministro da Ciência, Tecnologias e Inovação Marcos Pontes ao ser questionado se o anúncio do imunizante federal — que além de ter sido às pressas, não revelou nenhum detalhe sobre a pesquisa, e também ignorou completamente o anúncio do Butantan dado pela manhã, não foi de fato uma disputa por holofotes, é questionável o porquê do silêncio de Bolsonaro e seu séquito, haja visto o alarde em relação ao anúncio de Doria.

Entretanto, ainda hoje, a grande maioria dos brasileiros desconhece a Versamune e as etapas de seu desenvolvimento, mas em abril, houve um corte de mais de R$600 milhões da verba destinada à pasta do Ministério da Ciência e Tecnologia, fato que gerou uma incerteza quanto à continuidade da pesquisa e se haverá verba para a fase de testes, anunciada para junho.

Segundo o Datafolha, em janeiro de 2021, 55% dos brasileiros diziam querer que a vacina fosse obrigatória para toda a população, enquanto 44% afirmavam que esta não deveria ser. Em outros dados, o Datafolha apontou que em janeiro apenas 79% dos brasileiros pretendiam tomar a vacina. Atualmente o número cresceu para 84%, assim como a taxa de quem acredita que a vacinação deva ser obrigatória, a porcentagem chegou a 70%. O percentual dos que pretendem se vacinar é maior entre os que avaliam o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) como ruim ou péssimo.

Não é possível deduzir se o silêncio acerca do imunizante se deve ao corte de verbas, mas é observável que a Versamune ainda não serviu de palanque eleitoral para o presidente como tem servido para João Doria. Bolsodoria já não existe, mas tanto um quanto outro continuam sendo cilada em 2022. Os esforços do governo federal e apoiadores que sustentam o presidente se concentram nos ataques à ButanVac, atestando mais uma vez que a disputa eleitoral no horizonte é mais próxima e urgente que o incentivo e a imunização da população do país que até dado momento, apresenta a triste marca de mais de 430 mil mortos por Covid-19.

Giovanna Mont’Mor, Julia Faé e Júlia Paranhos

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Giovanna Mont'Mor

Estudante de Comunicação, instrutora de Yoga, interessada em Cinema, Literatura, Política e Cultura Visual.